terça-feira, 25 de outubro de 2011

Transcendente

 Por Maurício Nascimento

Mourisca celebra quase manhã
No porto silêncio de noites frias
Que assolam seu corpo entrerijo
A balouçar por entre caminhos
Que me conduzem aos montes horizontes de devaneios
Perdido por entre as nuvens, sons, cheiros,
Formas que imagino em sensações

Mourisca em verde degusto
Combinação de paladares combinados
Perdidos no elã do tempo
Em sempre pretérito infinito
Dos olhares a me dizer o mundo

Mourisca a se revelar em plagas
Trilhas de formas cambiantes
Misturadas ao apelo de um pobre
Fascinado por viver o incerto
Do curso que revela o universo 


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Música eletrônica




Acho que foi há uns 7 ou 8 anos, quando soube que um de meus alunos estava interessado em seguir a carreira de DJ. Como sua família possuía recursos, ganhou uma dessas pick-ups de discotecagem e, depois de alguns meses, sua mãe havia lhe alugado um espaço na Galeria do Rock para que pudessem comercializar CDs de música eletrônica e outro. 
Conversávamos sobre gostos musicais e sempre havia lhe explicitado uma certa reticência - e até preconceito - em relação à música que não fosse, digamos, produzida pelos meios mais convencionais.
Com o tempo fiquei curioso e lhe pedi, assim que a loja estivesse pronta, que escolhesse alguns discos para poder realizar minha “iniciação”.  Tenho dois deles até hoje: um, de quem faço questão de não saber o autor; o outro, o Audio architecture, do DJ Marky.  
Fora apresentado ao drum’n’bass... Fantástico! Muito bom!
A partir dele, percebi que havia outos gêneros e estilos bacanas na  música eletrônica. Não era apenas o drum’n’bass, mas também o house, o trance, o pop com  jazz e com  samba , o lounge... e por aí vai.
Meu caminho fora aberto para a Energia 97 (passei a ouvir o Terremoto, o Night Sessions e o Club tronic) e, dela, para as FMs da web, CDs, músicas baixadas da internet e alguns (poucos) shows.
Descobri que a música eletrônica, assim como qualquer outra realização humana, possui uma história. Muito bom foi novamente ouvir o Emerson, Lake e Palmer e conhecer um pouco dos experimentalismos do Kraftwerk;  da mesma forma,  começar a ouvir alguma coisa de Stockhausen
Ler sobre a sua evolução me fez prceber que ela não é ouvida somente em Ibiza e muito menos consumida apenas por (supostos) alienados da classe média.
Outro dia, ao ver a Invenção do contemporâneo (da Cultura), ouvir José Miguel Wisnik localizando e contextualizando a música eletrônica na evolução da música ocidental foi muito esclarecedor.
Independentemente de questões como a da duvidosa qualidade de muitas das que são produzidas, não é preciso dizer que ela, atualmente, é um fenômeno mundial e procura traduzir as diferentes formas de leitura do mundo criadas por diversos grupos. 
Se por trás da aparente repetição monótona, mecânica, industrial, monocórdia e não melódica de seus sons pode-se descobrir a não passagem do tempo como uma espécie de presentismo infinito, não histórico, alucinante e alienante a nos apresentar muito do que somos hoje, também podemos ser levados a um cofre cuja abertura nos revela pulsações, ritmos, viagens e o contato com os tambores africanos e os sentidos primitivos de nossos antepassados mais remotos. Sendo assim, ela é vital e urbana por excelência.
Maravilhosa para alguns, nem tanto para outros, ganhou espaço e se tornou tão legítima quanto qualquer outro gênero.

Primeiro contato com o Zeppelin

Acredito ter um gosto musical até certo ponto eclético e, no decorrer de minha vida (tal qual nas de muitos outros), ele foi construído a partir de uma série de experiências que, para mim, foram bastante marcantes. Ainda hoje, ao ouvir algumas das músicas que fizeram parte deste aprendizado sou reportado a vários momentos de minha infância. Lembro-me de ser “apresentado” à Chopin, Chico Buarque e Milton Nascimento, João Bosco, Bach e outros quando pequeno e, mais tarde, já numa adolescência tardia, à Egberto Gismonti, Zimbo Trio, Hermeto Pascoal e a chamada música instrumental brasileira.
Porém, gostaria de aqui relatar um dos primeiros contatos que tive com o Led Zeppelin, mais especificamente com All my love:
Deveria ter 11 ou 12 anos e acabávamos de nos mudar para Guarulhos. Até 1976/77 morávamos no Itaim Paulista e meus pais mantiveram antigas amizades lá feitas. Lembro-me que o filho de um dos casais com quem mantinham contatos, o A., era meu colega já há bastante tempo – acho que desde meus 7/8 anos – e, devo confessar, apesar de um certo tempo sem o ver, ainda nutria por ele uma certa ponta de inveja (era mais velho que eu uns dois anos, suas roupas, meio paparicado pelos pais, brinquedos e coisas do tipo).  
Nesse período, não me lembro por que meios, eles mantiveram contatos e marcaram o (re)encontro para um final-de-semana. Fomos até lá e, para minha surpresa, meu antigo colega não era mais o mesmo. Transformou-se, e muito. Sua postura, roupas e gestos eram diferentes; havia algo do mesmo A. de sempre, porém adquirira novos hábitos e gostos.
Comemorados o (re)encontro e as antigas lembranças, nossos pais haviam nos deixado para que pudéssemos ficar em qualquer outro canto da casa.  Aí, as surpresas e algumas descobertas, pelo menos para mim, começaram a acontecer.
A. me chamou, pegou uma pequena vitrola e a levou para o fundo do quintal (desses com uma varanda). Após a ter ligado, mostrou-me uma pequena jóia que havia adquirido: um disco do Led Zeppelin.
Como não conhecia lhufas do que seria isto, fiquei apenas observando e concordando com o estusiasmo do amigo. O disco começou a tocar e os sons emitidos para mim eram incompreensíveis, já que meus pais eram habituados a ouvir música sertaneja (hoje, a chamariam de música caipira).
A imagem de meu amigo a ouvir All my love era impagável: durante um dos solos da música ele, com uma régua de madeira, a imitar Jimmy Page (hoje o vejo mais como uma imitação de faquir indiano a entoar para uma serpente) e a viajar nos acordes da música.  Penso que ali, mesmo sem saber, eu fora apresentado ao melhor do rock.
Mas as surpresas não terminaram; elas haviam apenas começado.
Depois de conversarmos por um bom tempo (não me lembro exatamente sobre o quê), A. havia pedido permissão aos meus pais para que pudéssemos sair um pouco, já que ele queria encontrar alguns amigos do bairro. Dadas as devidas permissões pelos quatro, saímos.
Andamos por algumas ruas e, quando chegamos, fui apresentado a dois dos amigos de A. Reparei que os três estavam mais ou menos vestidos da mesma forma: os jeans meio surrados, camisetas, tênis; seus andares eram meio largados.
Conversa daqui, conversa de lá, um deles sugeriu uma saída para um fliperama e eu, à reboque (e já começando a imaginar o pior com meus pais), fui junto.
O tempo passando... e nada de alguém querer voltar. O meu medo ia aumentando à medida que a noite chegava.
O tempo passava... e zanzávamos por ruas cada vez mais distantes.
Lembro-me que à certa altura encontráramos um caminhão carregado com caixas de água mineral e, não sei exatamente de quem foi a brilhante ideia, de surrupiarmos uma das caixas para que algumas garrafas fossem devidamente estilhaçadas pelo caminho. Não tive a coragem de fazê-lo, mas não posso deixar de (ainda) sentir uma certa sensação de liberdade ao gritar como os outros e sair correndo em fuga pelas ruas. Pode não ser muito louvável, mas gostei daquilo. E também de ter tocado campainhas, gargalhado alto e de ter participado daquela aventura.
Porém, acho que não estava preparado para o que haveria de acontecer.
A madrugada era silenciosa e, hoje, penso em como não encontramos alguém que pudesse ter nos prendido ou surrado.
Chegáramos à uma praça. As ruas vazias.
Naquele momento, um dos amigos de A. disse que ali seria o melhor lugar... para que fumassem.
A novidade me fez temer pelo pior, principalmente quando descobri que o objeto de consumo não seria necessariamente um cigarro.
Após ter sido lentamente preparado e depois acendido, fui convidado a participar da “festa”, mas recusei o que era passado de mão em mão. Nunca havia visto aquilo (uma espécie de ritual) e, por tabela, também a maneira como gargalhavam, as mudanças nas expressões dos rostos e um certo vagar de falas que para mim eram incompreensíveis. 
Amanhecia.
Disperso o grupo, meu coração voltava a bater mais forte e finalmente pensava em meus pais. Melhor, no que poderiam fazer comigo.
Ao retornarmos, lembro de minha mãe chorando copiosamente e meu pai a esbravejar. Haviam tentado nos encontrar por meio da polícia.
O pai de A. o esperava com uma cinta. Ao andarmos pelo quintal, lembro-me do som das estaladas em suas costas. Ele não chorou.
Vários sermões depois, no final das contas, fui julgado mais como vítima das circunstâncias.
A partir daí, nunca mais o vi.

Aforismo descabido

Aparentemente, a maior concentração de pobres por metro quadrado pode ser vista nas favelas, nos estádios de futebol ou nos shoppings que permitem a sua entrada.